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"O Primeiro de Janeiro", Portugal's oldest national newspaper reports today (September 24, 2007) on the European Day of Jewish Culture held in Porto on September 2, 2007 and the launch of a new book on Barros Basto by Alexandre Teixeira Mendes. In a two page comprehensive article the reporter quotes Yaacov Gladstone and Dr. Harold Michal-Smith of the the American friends of Marranos announcing the mounting of a petition to rehabilitate captain Barros Basto, rabbi Di Martino on Judaism in Portugal, Jorge Neves on the Jewish community of Porto and Ladina, and Alexandre Teixeira Mendes, author of Barros Basto, the Marrano Mirage.
Os guerreiros da luz O medo instalado durante os séculos que se sucederam às fogueiras da Inquisição ainda hoje se sente nos judeus. E a luta dos marranos pela preservação da identidade também. Aquele sentimento e esta capacidade continuam como marcas evidentes numa comunidade que já abre as suas portas sem medo e tenta lutar pela sua história. Filinto Melo (textos) A melhor forma de percebermos os marranos portugueses, enunciada pelo rabino Eliezer Shai, é lembrar a vida nos tempos da ditadura salazarista – as conversas tidas às escondidas dos eventuais bufos, as ideias guardadas no seio da residência e esperando que não houvesse uma invasão de propriedade, a impossibilidade de as pessoas professarem publicamente o que pensavam ou acreditavam – e multiplicar os 48 anos de comportamento temeroso na ditadura “por dez” uma equação cujo resultado será perceber os 500 anos em que os judeus obrigados a converter-se ao cristianismo prosseguiam os rituais da sua religião, a sua cultura e os seus ensinamentos hebraicos às escondidas, dentro de casa, temendo a entrada da turba católica, nunca em público. Eliezer Shai, italiano de nascimento, o rabino que veio ajudar a dar uma nova vida à comunidade judaica do Porto, explica que esse comportamento “para um outsider, é difícil de aturar; é preciso ter muita paciência e tem de se conhecer bem essa cultura e perceber que viveram 500 anos na escuridão”, diz ao PJ. A comunidade do Porto, apesar da sinagoga, da judiaria e da sua história recente passou por vários problemas que quase determinaram o seu fim. O culto esteve condicionado aos principais acontecimentos religiosos e era normal a sinagoga estar fechada. Apesar de se dizer que mais de metade da população portuguesa ser descendente de judeus, os praticantes do judaísmo não serão, actualmente, muito mais do que uma centena na região do Porto. Para já. Nos últimos quatro anos, com apoios internacionais e o resgate da obra de Barros Basto, o fundador da comunidade israelita portuense, e grande dinamizador do “regresso à luz do dia” da identidade escondida, a comunidade renasce. A chegada de uma nova Séfer Torá pelo grão rabino sefardita Shlomo Amar à sinagoga Mekor Haim (“Fonte da Vida”) e o início do “caminho regresso” com o rabino Elisha Salas, entretanto sucedido por Eliezer Shai – deram um novo alento à comunidade e ao seu “ressurgimento”, conforme refere Jorge Neves, secretário da direcção da comunidade. “Ainda faltam muitas coisas para que haja uma prática e uma vida judaica em pleno”, prossegue, “mas foram dados muitos passos importantes”. Abrir a comunidade No início do mês, e pela primeira vez em Portugal, celebrou-se a Jornada Europeia da Cultura Judaica, coordenada por Jorge Neves. Realizada desde 2004, este ano em 30 países, a jornada visou “abrir as comunidades judaicas de toda a Europa à população” e, no Porto, incluiu uma visita-guiada prolongada à Judiaria Medieval da cidade, à sinagoga erigida em 1939, um almoço marrano, com alheiras, e o lançamento do livro de Alexandre Teixeira Mendes “Barros Basto – A miragem marrana”. O trabalho desenvolvido no âmbito da Jornada Europeia está ligado à rede de judiarias que há em Espanha, em locais onde se recuperou a memória da presença judaica na península. Essa rede, além de notar a presença dos judeus antes da Inquisição, é um verdadeiro nicho de mercado para o turismo, nomeadamente o chamado “turismo cultural”. Com sede em Girona, na Catalunha, esta rede funciona em locais onde as comunidades judaicas foram, antes da expulsão pelos Reis Católicos, significativas. Em Segóvia, por exemplo, onde nas ruas é imperceptível a presença judaica, há um espaço museológico, uma livraria e uma loja de recordações da velha judiaria. No Porto, onde é ainda notória a presença da comunidade, falta esse espaço, embora haja interesse da Ladina em dar a conhecer este espólio, conforme Jorge Neves, um dos responsáveis da Associação de Cultura Sefardita. Contudo, para isso é necessário que as autarquias se interessem por esse nicho de mercado turístico, em Leiria, Évora, Viana do Castelo, Guarda, Belmonte, Fundão ou Covilhã, e que aproveitem os apoios disponíveis. “O que nos interessa a nós enquanto associação cultural é dar visibilidade a essa tradição”, diz. Persistência Mas isso só se consegue quando é contornado o anti-semitismo existente em Portugal. “Não é evidente, esse é mais fácil de combater, é não visível, embora haja lóbis”, defende. “Há muitos poderes instituídos, a nível académico por exemplo, que é difícil de perturbar” e as pessoas “acabam por acreditar que o que ele diz na televisão é que é correcto”. É preciso persistência, anuncia. E por aí passa a acção da Ladina, uma associação “aberta a todo o tipo de pessoas. Todos que querem dar relevo a esta herança”. Criada para dar outra visibilidade à vida judaica no Porto, a Ladina pretende recuperar além de Barros Basto, os nomes de outros vultos da cultura portuguesa, como Uriel da Costa, um dos grandes pensadores que antecipou Espinoza mas não tem sequer uma placa na cidade “e a nossa função é também restituir essa herança, mas pô-la em acção e em movimento”. E com ele, outros que fazem parte dessa tradição, como Fernando Pessoa (filho de judeu), Camões, Abraão Zacuto, Garcia da Orta, entre outros. Apoios Um dos apoios significativos que a associação teve é do grupo American Friends of Marranos, que ajudou à edição do livro sobre Barros Basto e se prepara para definir outros apoios. É o caso da Shavei Israel, com sede em Jerusalém, organização que apoia a presença de um rabino na sinagoga do Porto. Com cem famílias, a comunidade religiosa cresceu em Janeiro com o regresso de 16 marranos “à Casa de Israel” e reconhecidos como judeus por Israel. Eliezer Shai, o rabino que os conduziu no final desse caminho, defende hoje em dia fortemente a cultura marrana, porque diz que ela ajuda a compreender os portugueses, dos quais está indissociada. “Tive uma dificuldade de perceber essa cultura, esse medo que gerava distância e desconfiança. Só agora, ao fim deste tempo que passei aqui é que começo a perceber melhor”, explica, salientando que esta memória doída não é impeditiva do diálogo inter-religioso, que defende acerrimamente. Agora, diz ao JANEIRO, os judeus portuenses devem “deixar o portuguesismo de lado” e “dar espaço a uma visão mais aberta do mundo, para que essa comunidade cresça”, embora reconheça que isso é difícil. “A inquisição acabou”, sintetiza. Mas deixa o alerta: “Os portuenses tiveram uma comunidade judaica de ouro, que hoje em dia se conhece muito pouco, bem como sobre os judeus em Portugal… e é uma grande pena”. -------------------------------- O que é “Marrano” O rabino Elisha Salas dizia, no primeiro Congresso de Marranos que se realizou no Porto em Abril de 2005, que estimava que os portugueses de origem judaica fossem na ordem dos 60 por cento da população. Marranos, eram e são, os judeus que se viram obrigados a converter-se ao cristianismo para permanecer no país após o édito de expulsão e os seus descendentes. Claro que se a designação se limitar ao que mantiveram as suas práticas religiosas mesmo depois da conversão forçada o número será muito inferior. Mesmo assim, houve um incontável número de famílias que o fizeram, ao longo de séculos, nas cidades ou em comunidades pequenas, como Belmonte, a mais conhecida. Para utilizar termos idênticos, os marranos serão os cristãos-novos forçados que mantiveram as tradições religiosas e culturais que viriam a ser chamadas cripto-judaicas. Já agora, etimologicamente, “marrano” não vem do sinónimo de forma popular castelhano de “porco”, antes é uma aglutinação do hebreu “mar” (“amargo”) e “anus” (“forçado”). Em hebreu moderno, o termo para identificar os marranos é “anussim”. O rabino que veio substituir Elisha Salas na comunidade do Porto, o italiano Eliezer Shai, tem uma visão de quem chega de fora (embora historicamente se reconheça a existência de “anussim” em Itália) de que a cultura marrana é uma das formas essenciais de conhecer a cultura portuguesa. E já deu o exemplo: Em que outra língua do mundo o primeiro dia da semana de trabalho é denominado de “segunda” (segunda-feira)? O que se significaria que o primeiro dia de trabalho seria o domingo cristão e que o dia de descanso seria os sábado (dia de descanso e recolhimento para os judeus). ---------------------------------- Judeus unem-se na reabilitação de um perseguido Resgate do capitão Barros Basto Um grupo de estudantes judeus vai reunir-se para fazer um abaixo-assinado que se pretende “enorme” e que será endereçado às autoridades portuguesas no sentido sensibilizar para a reabilitação pública do capitão Barros Basto, uma figura ímpar no Porto do século passado, herói da Primeira República e da Guerra 1914-18, grande obreiro do reconhecimento dos judeus do Porto e dos marranos portugueses e criador das possibilidades de acolhimentos aos que fugiam do Holocausto. O anúncio da petição foi feito por Yaacov Gladstone da associação American Friends of Marranos durante o Jornada Europeia da Cultura Judaica, no início de Setembro. E esta será uma das formas de recuperar a figura do capitão muito respeitado pelos judeus portugueses, independentemente da comunidade em que se encontram, mas quase completamente desconhecido do resto da população. Artur Carlos de Barros Basto nasceu em Amarante em 1887. Marrano e neto de marrano, que lhe deu conhecimento da descendência judaica e lhe ensinou a doutrina hebraica. Cumpre o serviço militar em Lisboa, onde tenta frequentar a sinagoga, sendo rejeitado. Republicano, participou no 5 de Outubro, e é um dos heróis da Primeira Grande Guerra, sendo deslocado para a Flandres em 1917, subiu na carreira militar pelos feitos em combate e recebeu várias condecorações – tornando-se capitão em 1918. De novo entra em contacto com a comunidade judia (francesa) e opta por seguir o que lhe foi ensinado pelo avô. Viaja para Tânger onde é admitido na comunidade local, é submetido à circuncisão e recebe o nome hebraico de Abraão Israel Ben-Rosh. É destacado para o Porto onde ocupa um cargo de responsabilidade pública e vem a formar a Comunidade Israelita, em 1923. Tenta que a cidade seja o centro de acolhimento dos marranos (ver coluna). Desdobra-se para construir uma sinagoga e conseguir que as comunidades a Norte (como Belmonte, Guarda e Bragança, entre outras) se organizem. O trabalho, denominado entretanto de “resgate” – o Resgate dos Marranos, 500 anos depois da Inquisição e da conversão forçada dos judeus – acabou por criar anti-corpos na sociedade. Há padres que protestam contra a construção sinagoga e começam a aparecer as acusações de homossexualismo e relações com menores, crê-se que por Barros Basto estar presente nas cerimónias de circuncisão de jovens judeus. Acaba por ser levado a tribunal e embora a acusações não tenham sido provadas tem um processo idêntico em Tribunal Militar e as acusações, não provadas, são suficientes para que seja afastado do exército. E é esse um dos objectivos da petição que os judeus mais novos deverão iniciar. No início de Setembro, esteve no Porto um conjunto de jovens de vários locais do Mundo que vieram conhecer a judiaria portuense, bem como a Sinagoga e o espaço museológico dedicado à obra de Barros Basto que ela encerra. Não ficaram o tempo suficiente para o lançamento de um novo livro sobre o capitão Barros Basto – que sucede, no propósito de reabilitação do fundador da comunidade israelita do Porto, ao de Elvira Mea e Inácio Steinhardt. “Barros Basto – a Miragem Marrana” foi apoiado pela American Friends of Marranos, a organização que esteve representada pelo fundador, Harold Michal-Smith, e o seu presidente, Yaacov Gladstone, que anunciou a petição. O livro de Alexandre Teixeira Mendes distingue-se por não ser uma biografia convencional. Conforme afirmou Pedro Sinde na apresentação, “estamos perante uma nova forma de olhar a figura do capitão Barros Basto”, uma “apologia”, de carácter subjectivo, uma forma que “não é muito bem vista pelas academias” embora isso não tenha importância, “porque deste modo, avisados, podemos apreciá-lo melhor, isto é, apreciá-lo em si mesmo, sem corpetes, sem preconceitos que podem ser prejuízos”. Segundo o filósofo, Alexandre Teixeira Mendes consegue espelhar no livro a alegoria da caverna de Platão: “Durante séculos aprisionados à noite do segredo e do degredo, deliberadamente aprisionados a um culto que não era o seu. Um dos seus – o capitão Barros Basto, Ben-Rosh – libertou-se da caverna e descobriu que a luz lá de fora já não lhes era adversa, vem então avisá-los, chamá-los à luz. Mas o marrano está já demasiado habituado à noite, a noite é o seu dia e, por isso, está relutante em partir. Barros Basto aparece como o modelo do marrano, o herói. Através dele podemos sentir a aspiração de cada marrano, vivendo escondido, mas querendo mostrar-se; desconfiado das instituições, mas querendo voltar a ver a luz do dia, a claridade meridiana. É no momento da libertação de Barros Basto, deixa-nos entrever Alexandre, quando se liberta da caverna, que percebe claramente que há uma identidade marrana, que deve ser preservada, mas que, simultaneamente, o marrano tem de voltar à luz do dia.” O melhor exemplo dessa marca é a sinagoga, uma espécie de farol para os marranos, grandiosa, arquitectonicamente, como que mostrando aos escravos o caminho da luz. Não deixa de ser sintomático que seja chamada a “Catedral do Norte”. E foi feita, como quase toda a sua obra numa época difícil – o projecto da sinagoga deu entrada na Câmara do Porto em 1929, conforme contou ao JANEIRO, Hélder Pacheco, que consultou os dados da autarquia, e foi inaugurada em 1939, no ano em que centenas de sinagogas foram dizimadas pela Europa fora. Jorge Neves, da associação sefardita Ladina, entende mesmo que “o grande drama de Barros Basto e da sua grande obra foi o momento em que apareceu”. Alexandre Teixeira Mendes confirma que o homem e a sua obra foram vítimas de “uma série de circunstâncias dentro do plano político português e no contexto internacional”. “Se este movimento do Resgate dos Marranos tivesse surgido em plena República, em 1910”, disse a O PRIMEIRO DE JANEIRO, “talvez as coisas fossem um pouco diferentes”; embora se tornasse naturalmente vítima do regime de Salazar, que se impôs em coligação com os sectores mais integristas da Igreja Católica”, apesar de ter uma boa relação com Moisés Amzalak, o presidente da Comunidade Israelita de Lisboa até 1976. Esther Muznik, porta-voz actual dessa comunidade, relembra, no estudo “Os Judeus em Portugal”, como a “rebelião marrana” fez mexer com o regime e com a CIL, dividida em relação ao “apóstolo” dos descendentes dos cristãos-novos. Os judeus portugueses, e a família de Barros Basto, esperam agora que o exército e o Estado cumpram as promessas feitas e reabilitem o homem que foi condenado injustamente, simplesmente porque era incómodo para o regime fascista. E contam com a ajuda daqueles jovens." |
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