Haaretz (09.03.2012) traduzido do hebraico para o português por Israel Levi
Barros Basto reabilitado
Após uma grande luta da família do “Dreyfus português”, a Justiça foi finalmente reposta
75 anos depois de ter sido removido injustamente do exército português, o Parlamento de Portugal reabilitou o nome de um oficial judeu, descendente de marranos, que trabalhou muito em benefício dos judeus, ao recriar e revitalizar a comunidade judaica do país.
Arthur Barros Basto (1887-1961), cognominado o "Dreyfus português”, foi absolvido agora, pelo Parlamento, das alegações de comportamento “imoral” que haviam ditado a sua separação do exército em 1937.
"Esta é uma grande alegria, foi feita justiça", disse ao jornal Haaretz Inácio Steinhardt, co-autor da biografia de Barros Basto. "É o término bem sucedido de uma luta que percorreu três gerações da sua família", acrescentou.
A luta foi ganha pela neta de Barros Basto, Isabel Ferreira Lopes, depois de a sua avó e a sua mãe terem falhado os seus esforços. Numa decisão histórica, o Parlamento decidiu, por unanimidade, limpar o nome de Barros Basto, 50 anos após a sua morte.
"O Parlamento declarou que a decisão de 1937 que puniu o meu avô foi uma decisão antissemita. Ele não foi imoral. A decisão que o condenou é que foi imoral", disse Isabel.
Entretanto, o Director Geral da Anti-Defamation League, Abraham Foxman, afirmou que a decisão do parlamento é uma decisão importante "para a dignidade de Portugal”, tendo acrescentado: “A injustiça feita a Barros Basto era um peso muito grande sobre a reputação de Portugal e sobre a consciência colectiva do seu próprio povo."
Também a organização Ladina, que participou na campanha para limpar o nome de Barros Basto, saudou a decisão do Parlamento, chamando-lhe "uma vitória da luz sobre as trevas. "
Barros Basto, que nasceu em 1887, foi um herói da revolução republicana de 1910; na primeira Guerra Mundial foi condecorado por bravura; e na década de 20, regressou às suas origens judaicas, de que havia tomado conhecimento por intermédio do seu avô.
Barros Basto começou por fundar uma comunidade judaica na cidade do Porto – onde também construiu uma sinagoga e uma yeshivá – e publicou um jornal comunitário. Esta sua actividade despertou um grande interesse entre centenas de descendentes de famílias judias.
Em 1926, outro golpe militar ocorreu em Portugal, e o país tornou-se uma ditadura. Esse facto alterou, para pior, a relação das autoridades com a actividade de Barros Basto em favor dos marranos descendentes de judeus.
Barros Basto foi inicialmente perseguido e acusado de ser homossexual, mas foi completamente absolvido. Em seguida, o exército quis julgá-lo por questões relacionadas com a disciplina militar.
Ele seria condenado, em 1937, por comportamento impróprio de um oficial. O Conselho do exército entendeu que a participação de Barros Basto nas operações de "circuncisão” dos seus alunos da yeshivá era um comportamento próximo da homossexualidade.
Até à sua morte, em 1961, Barros Basto nunca recuperou desta indignidade. Morreu com o seu nome manchado.
Ao longo dos anos, ocorreram inúmeros esforços para limpar o seu nome. O próprio Dan Tichon, então Presidente do Knesset, chegou a discursar sobre o tema no Parlamento português.
Finalmente, o nome de Barros Basto foi agora limpo. Mas a luta pela reposição completa da Justiça continua noutra frente: o seu retorno simbólico ao exército! Para tanto, o Parlamento português já nomeou uma Comissão encarregada de decidir sobre a reintegração de Barros Basto no exército.
"Espera-se que este passo seja muito mais fácil do que o anterior, porque as razões do afastamento de Barros Basto do exército definitivamente não existem mais", conclui Steinhardt.
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Notícia do jornal "Público" (01 de Março de 2012)
Público, 01 de Março de 2012
“Dreyfus português” reabilitado no Parlamento
“Um dia será feita justiça, a verdade virá ao de cima.” Isabel Ferreira Lopes lembra a frase que o avô, o capitão Barros Basto, um judeu expulso do exército em 1937 por actos relacionados com a religião, repetiu vezes sem conta. O dia, para a família, chegou ontem, 75 anos depois.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República (AR) considerou que o Estado português deve reintegrar postumamente no exército o capitão – apontado como o caso “Dreyfus português”- face a “uma manifesta violação da liberdade de religião e culto”.
“Finalmente foi feita justiça. O nome do meu avô foi reabilitado”, disse ao Público a neta, emocionada com a decisão.
Barros Basto foi punido por afectar a “respeitabilidade e o decoro militar” ao fazer a circuncisão a vários alunos do Instituto Teológico Israelita do Porto, do qual era Director .
“O meu avô ficou sem emprego e sem meios para sobreviver aos 50 anos”, diz Isabel. Morreu aos 74 anos “pobre e amargurado”, mas com a esperança de um dia ser reabilitado.
Para a Comissão parlamentar, a decisão de 1937 foi “motivada por intolerância religiosa e por preconceito anti-semita”, dominante na época.
“Barros Basto foi separado do exército devido a um clima genérico de animosidade contra si motivado pelo facto de ser judeu, de não o encobrir, e, pelo contrário, de ostentar um proselitismo enérgico convertendo judeus portugueses marranos e seus descendentes”, refere a Comissão.