O “render da guarda” na sinagoga do Porto
Entrevista com o rabino Elizier Shai Di Martino, do Porto, Portugal
(for English version on which this Portuguese version is based see kulanu.org)
O Rabino Elizier Shai Di Martino, de 29 anos, sorri com
facilidade. Possui uma leveza de ser e uma aura amigável e fraterna. Ele e a sua jovem família chegaram recentemente ao Porto, com o apoio da Shavei Israel. O seu objectivo é trabalhar com os Marranos (Bnei Anousim)na sinagoga Kadoorie Mekor Haim. Trata-se da "Catedral
do Norte", construída pelo Capitão Barros Basto,
durante os anos 30, com a ajuda financeira dos
descendentes da Diáspora Marrana em Nova York,
Londres, Amsterdão, Paris e Shangai, na mesma época em que centenas de sinagogas estavam a destruídas pelos nazis na Europa.
Viver em Sefarad
O actual rabino Di Martino substituiu o anterior
rabino, hoje a viver em Jerusalém, Elisha Salas. Shai
Di Martino certamente esperava um dia viver na “Finis Terrae”
(Sefarad- Peninsúla Ibérica). Ou melhor: na cidade do Porto. Como devemos entender esta sua postura? Tudo parece indicar que decidiu aprender português e pensou mesmo retratar-se como um judeu português. Tendo crescido em Roma, constatou igualmente de que o apelido mais
comum na comunidade Judaica, em Roma, era DiPorto
(i.e. da cidade do Porto).
Sefardita medieval
O actual Rabi do Porto praticou o seu português após longas conversas com o seu bom amigo Yosef Rodrigues, da Comunidade de Belmonte. Tudo isso aconteceu durante o tempo em que ambos frequentaram o Midrash Sefardi Institute em Jerusalém (Israel). Quando confrontado com as suas crenças, descreve-se a si próprio como um “sefardita medieval”. Detesta rótulos. Os seus heróis, para além do Capitão Barros Basto – conta-nos que chegou mesmo a chorar quando terminou a leitura da sua biografia da autoria de Inácio Steihardt e Elvira Mea - , incluem Maimónides (Rambam), Gersonides e o pensador nascido em Portugal Abrabanel. Pensa que também o filósofo grego Aristóteles teria algo de relevante a comunicar ao século XXI.
Centelha, pequeno brilho
O rabi de origem italiana diz-se pouco identificado com o espírito “niilista” do chamado “pós-modernismo”. Ele consegue, no entanto, vislumbrar “uma ligeira centelha, um pequeno brilho, neste tempo cinzento, abafado; este mesmo tempo que enfraqueceu a autoridade moral da Igreja, torna de certa forma mais fácil o retorno à comunidade
de raiz Judaica pelos descendentes dos que foram
forçados à conversão”. Di Martino fez um pacto com D`us e
tenciona trazer de volta o “seu rebanho”. Não pretende envolver-se nos “negócios” com os produtos “cosher”. Acredita mais em apoiar os marranos e proporcionar o crescimento de novas comunidades no Norte de Portugal.
“Shohet” certificado
Di Martino é um “shohet certificado (habilitado a abater animais segundo as regras sagradas judaicas) mas não se vai envolver em actividades comerciais; vai colocar as suas competências ao serviço religioso da comunidade. “É muito mais fácil manter o regime kosher – diz o rabi - do que muitas pessoas imaginam”. Nas suas refeições diárias come muito peixe fresco, vegetais e queijo não coalhado. Prefere restaurantes vegetarianos (no Porto, felizmente, há muitos).
É muito conhecedor da história dos Marranos; a sua própria família tem raízes em Cristãos Novos no sul de Itália desde os tempos do Domínio Espanhol. Está na cidade do Porto pronto para “acertar o passo com a História” num derradeiro desafio com a Inquisição. “Afinal de contas – assinala - em que outra língua é "segunda-feira" o segundo dia da
semana? Porquê? O Hebraico, com certeza”. Neste capítulo concorda com as teses do Prof. Doutor Moisés Espírito Santo de que a
língua portuguesa tem a sua antiga génese no antigo Hebraico Latinizado(a linguagem dos antigos colonizadores Fenícios).
Marranos “ambicionam mais”
O Rabi Di Martino quis, desde o início dos seus estudos hebraicos, trabalhar com os Bnei Anousin em Portugal. Considera mesmo que muito embora possam ter menos conhecimentos, os marranos "ambicionam mais." Para isso iniciou várias aulas de “retorno” ao judaísmo normativo e mantém vivo o sonho de implementar o programa yeshiva de Rosh Pina criado por Barros Basto: “Um desafio – refere - ao nível de qualquer outro em Israel”. Reconhece, no entanto, que “tem uma tarefa árdua pela frente, mas não está no Porto para perder. Já passou demasiado tempo”. A sua desprendida maneira de ser e a profunda convicção no Judaísmo Comunitário prometem um novo renascimento marrano. Assim o esperamos.
Por Manuel Azevedo (a versão portuguesa do texto original em inglês (ver www.kulanu.org) é da autoria de Luís Gonzaga Grego e Alexandre Teixeira Mendes)